FRAGMENTADO - UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA
Quando
assistimos ao filme “Fragmentado” (2016), uma série de questões
e reflexões paira em nossa mente, não é verdade? Neste texto,
vamos conversar um pouco sobre os principais pontos que ficaram
rondando após assistir o longa: Como alguém pode ter 24
personalidades? Por que a psicoterapeuta se colocou naquela situação?
E o comportamento das vítimas?
Assim,
neste artigo vamos fazer uma análise do filme “Fragmentado”
(2016), contemplando seus principais personagens, a partir da ótica
da Psicologia Fenomenológico-existencial. O principal objetivo,
concentra-se em analisar os personagens principais do filme, suas
escolhas que revelam seus projetos originais, seu movimento
existencial e sua forma de ser-no- mundo.
Para
o filósofo Sartre o homem é um eterno vir-a-ser, a partir das
escolhas que faz revela sua essência, ou seja, existindo apresenta
seu projeto. Este projeto nem sempre é reflexivo, assim a definição
de má-fé consiste em uma estratégia para evitar a angústia
(SARTRE, 1997).
Neste
sentido, percebe-se o movimento inautêntico e de má-fé do
personagem principal do filme, Kevin, que utilizava de suas vinte e
quatro identidades como uma forma de se proteger, já que as
facticidades a que fora submetido, principalmente na infância,
seriam insuportáveis de serem vivenciadas e assumidas. Como o
próprio personagem relata no filme: “Eu não dou conta de viver a
realidade, preciso me proteger”. Para dar conta da angústia e da
triste realidade que viveu, Kevin fragmentou sua personalidade,
criando novas maneiras de ser-no-mundo. Cada personalidade do Kevin
teria controle e responsabilidade sobre a situação, todas elas
tiveram a chance de libertar as meninas, mas preferia manter as
mesmas para a “Besta”.
Outra
personagem que merece destaque é a psicoterapeuta de Kevin. A
postura da psicóloga no filme mostra um envolvimento pessoal com seu
paciente. Isso fica evidente no momento em que ela sai de sua casa e
vai até a residência dele, fato este que colocou sua vida em risco.
A redução fenomenológica é uma ferramenta essencial para a
relação terapêutica e que infelizmente ela não lançou mão. Para
Husserl (1980), a redução fenomenológica ou epoqué, é a operação
pela qual a existência efetiva do mundo exterior é “posta entre
parênteses”, para que a investigação se ocupe apenas com as
operações realizadas pela consciência sem que se pergunte se as
coisas visadas por ela existem ou não realmente.
Assim,
percebe-se que a terapeuta trata seu cliente como alguém da família,
como seu próprio filho, ou ainda como um caso de estudo de sucesso.
Sua dificuldade em reduzir o fenômeno faz com que se coloque em
risco, pois vai sozinha, à noite na casa de seu cliente e quando
percebe o quão perigoso era a situação que se encontrava, não
tinha mais tempo de salvar sua própria vida. A redução
fenomenológica é essencial ao trabalho do psicólogo já que
possibilita a separação da sua visão de mundo do seu
cliente/paciente, e assim é possível alcançar a neutralidade
científica.
Mais
uma personagem da trama que vamos analisar aqui é uma das meninas
que Kevin raptou, Casey. Vítima de abuso sexual cometido pelo tio,
Casey envolvia-se em tumultos no colégio onde estudava para ser
expulsa, ou não precisar ir para casa com seu agressor. Se
automutilava, mentia e tinha um comportamento isolado e depressivo.
Partindo destas descrições pode-se sugerir que sua existência
revela o desespero em que ela se encontrava.
A
automutilação poderia ser uma forma de aliviar a dor emocional e a
angústia que lhe foi causada. Neste sentido, Camon (2004) afirma
que atrás de cada ato de destruição, sempre está um pedido de
ajuda de alguém desesperado frente às vicissitudes da vida.
Suicídios não são somente os atos severamente autodestrutivos em
si, mas todos os gestos que envolvem destrutividade e que fazem parte
do cotidiano, como dirigir em alta velocidade ou o uso de drogas
lícitas, é o que o autor chama de “microsuicídios”.
Esses
atos de autodestruição da personagem podem representar um pedido de
ajuda desesperado, ou como uma maneira de lidar com a dificuldade de
socialização quanto de voltar para sua casa e sofrer violência.
Outro
fator que podemos analisar na personagem é que anos de abuso lhe
deram experiência para lidar com a personalidade do agressor, isso
pode ser observado no momento em que ela fala para sua colega urinar
nas calças, pois assim o agressor se afastaria. Nota-se também, que
ela tem um comportamento de maior submissão em relação às outras
vítimas, sempre acata as ordens de Kevin, fator desenvolvido para
sobreviver.
O
filósofo Sartre, afirma que a primeira facticidadde da existência é
o próprio nascimento. Ao ser lançado no mundo o homem não tem
escolha, no entanto a escolha desponta em face dos fatos que surgem
durante a vida. É fazendo escolhas ou mesmo escolhendo não
escolher, que nos tornamos quem somos e as escolhas de cada indivíduo
são importantes para a formação de cada passo de vida.
Neste
sentido, nota-se como as escolhas de cada personagem do filme os
fazem assumir ou não a responsabilidade por suas vidas. Para a
Psicologia Fenomenológico-existencial, o homem é criador do seu
destino e, portanto sempre em processo de construção. “Nós somos
aquilo que acreditamos ser”, como afirma o personagem ao fim do
filme.
Referência
CAMON,
V. A. A, Capítulo 4 – Suicídio Infantil: O Escarro Maior
do Desespero Humano, do livro “O Atendimento Infantil na Ótica
Fenomenológico-Existencial. Editora Thomson. São Paulo, 2004..
ERTHAL,
T. C. S. Inconsciente. Os fundamentos da terapia vivencial na
filosofia e na psicologia. Em:Terapia Vivencial – uma
abordagem existencial em psicoterapia. 2ª Ed., Rio de Janeiro:
Vozes, 1991.
HUSSERL,
E. Investigações Lógicas: sexta investigação: elementos de uma
elucidação fenomenológica do conhecimento. São Paulo: Abril
Cultural, 1980, p.VI – XIV.Coleção Os Pensadores.
SARTRE,
J.P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 10ª
ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
Autores:
Monique
Farber – Psicóloga CRP 08/12651
Hugo
Vallim – Estagiário do Instituto Ampliar
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