O Show de Truman refletido no Mito Platônico


O Show do homem Verdadeiro 
Já estão cansados de atores com emoções falsas.
Cansados de pirotecnia e de efeitos especiais.
Embora o mundo em que habita seja, de certa forma, falsificado,
Truman não tem nada de falso”.

No ensejo proponho uma análise na perspectiva da  Psicologia Social sobre o filme Show de Truman, o qual é possível identificar na obra uma versão moderna do “Mito da Caverna” de Platão, onde diversos elementos permitem a associação das duas narrativas. No Mito de Platônico, prisioneiros encontram-se acorrentados dentro de uma caverna voltados para a parede. Tendo somente a possibilidade de ver as sombras do que ocorre no ambiente externo, como eles não conhecem a existência de um mundo além da caverna, tornam o falso como verdadeiro, acreditando que o mundo em que vivem é o real.

No filme o Show de Truman, o protagonista (Truman Burbank) vive na ilha de Seaheaven, o qual é um cenário (mundo fictício) produzido para um reality show cujo astro é Truman, que não tem conhecimento de que sua vida é transmitida 24 horas na TV.

Assim como, os prisioneiros estão presos na caverna, Truman está preso a Ilha, porém esta prisão refere-se a sua rotina e o seu cotidiano. Um dos prisioneiros da caverna começa a questionar a sua vida e a partir daí percorre um doloroso caminho para fora da mesma.

O protagonista Truman também começa a se questionar sobre o mundo a sua volta e começa a procurar uma forma de sair da ilha e desvendar o mundo real. Ambos os personagens rompem com o processo de alienação buscando um novo direcionado em suas vidas, motivados por um desejo de saber além do que é oferecido.

O rompimento da farsa e a busca da realidade para o contexto de vida no mito apresentou um prisioneiro questionador que conseguiu sair da caverna e conhecer o mundo real, e a possível sobrevivência externa. No entanto, ele resolve voltar a caverna para contar a verdade para seus companheiros. Os quais, por sua vez, preferiram continuar cristalizados no que conheciam e matam o seu amigo, mantendo a farsa historicamente construída ao invés da realidade e permaneceram voltados para a parede. Ambos os personagens buscam o caminho do novo, motivados por um desejo de saber para além do que conhecem.

A “Caverna das Aparências” de Platão funciona como um cativeiro, e os prisioneiros que habitam seu interior,(os prisioneiros vivem sendo enganados por um processo de alienação que os fazem tomarem o falso como verdadeiro). A ilha de Seaheaven que também funciona como um cativeiro para o protagonista do Truman Burbank, que vive sua vida dentro dela sem saber que é o astro de rede de televisão.

Os prisioneiros do Mito da Caverna estão algemados, estas algemas representam os pré-conceitos e pré-juízos das pessoas comuns. O pensamento irrefletido do dia a dia (do cotidiano). O que prendia Truman Burbank na ilha, é a rotina (seu cotidiano) e todas as estratégias subjetivas pensadas e aplicadas pelos mentores para torná-lo uma pessoa passiva, submissa e conformista.

Destaco em certo momento, o qual o diretor do filme verbaliza para Truman: “O mundo real é igual ao mundo que eu criei para você. Tem as mesmas mentiras, as mesmas decepções, mas no meu mundo você não tem nada a perder.” Sendo ciente disso, Truman opta por sair e conhecer o mundo real do que ficar em um processo de uma vida roteirizada para fins de audiência televisiva. A sua determinação a descobrir o que são as coisas, o que se esconde por detrás do simulacro, por detrás da fantasia. A busca mais visceral da existência humana é sobre a verdade das coisas, é a busca pelo conhecimento.

As relações sociais e afetivas de Truman eram todas falsas. Sua mãe, seu pai, sua esposa, seu melhor amigo eram falsos. Nenhum deles era uma pessoa em que Truman realmente podia contar, eles estavam apenas fazendo o seu trabalho. No filme, todos os que viviam na ilha de Seaheaven eram atores, portanto Truman não tinha uma relação verdadeira em sua vida.

Por outro viés, destaco a dúvida hiperbólica de René Descartes (1596 -1650), considerado o primeiro pensador moderno, o qual inicia sua filosofia desconfiando de tudo o que tinha aprendido até então. Afirma, portanto, que possuía “extremo desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso” (DESCARTES, 2002, p. 82). Duvidar de tudo (pôr tudo à prova) foi o primeiro problema de Descartes. A única coisa da qual não podia duvidar era do fato de que estava pensando (duvidando), isto é, do fato de que era uma substância pensante. A partir disto, concluiu logicamente: “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum). René Descartes propõe duvidar de tudo quanto for incutido pelo exemplo e pelo costume sem detida análise racional.

Um dos aspectos os quais o filme critica é a de que “O mundo, o lugar onde você vive (as pessoas), é onde é doentio. Christof o produtor do filme afirma que o mundo de Seahaven (a ilha) ”é o modelo de mundo”. Esta ideia encontramos na atualidade defendida pelos meios de comunicação, quando transmitem insistentemente uma alienação em massa. O filme critica o pensamento de que só é possível viver como ator (interpretando e fingindo) ou como prisioneiro da mídia.

A produção do reality show, criou vários traumas na vida de Truman para que ele não desejasse sair da ilha. Podemos tomar como exemplo a morte de seu pai, ele morre afogado no mar, deixando Truman com pavor da água fazendo com que ele tivesse medo de seu modo de sair da ilha, navegando.

No filme podemos observar que eles faziam as propagandas das mais diversas maneiras, afinal, o que sustenta um canal de TV é a venda de um produto. A todo momento, os atores eram vistos fazendo uma propaganda de um determinado produto, como por exemplo, a faca de mil e uma utilidades. “Bom dia! E caso não os veja novamente... Uma boa tarde e uma boa noite”- Truman.

Para Platão o real estava no mundo dos ideias. Para Truman, por outro lado, estava no exterior do cenário de SeaHaven. Analogamente, entendemos que enquanto estivéssemos na caverna ou na ilha deSeaHaven”, estaríamos no âmbito daquilo que Platão identificava de “sombras”. Não há certezas, tudo é ininteligível e imperfeito quando visualizado de um nível mais “elevado”. Assim, ao procurarmos a verdade fora da caverna (ou do cenário), entraríamos, então, ao nível do “conhecimento”, onde poderíamos deparamos com mais transparência a realidade.

Na concepção de Platão esta era a solução para encontrar o Bem Supremo, ou seja, a verdade e a liberdade. Já para Truman, no entanto, talvez seja só mais um nível de uma realidade de aparências, embora certamente seja um passo a mais em direção a verdade almejada.

É evidente que SeaHaven não deixava de ser um grande cativeiro para Truman, que na sua condição de ignorância e manipulação assemelhava-se aos prisioneiros da caverna de Platão, estagnados diante de uma parede. Truman, no entanto, com uma atitude corajosa, almejou impavidamente descortinar a realidade, diferente, por exemplo, dos seus telespectadores, que ao findar o show, não mudaram a condição de vossas subjetividades e reproduziram uma atitude ainda mais alienada do que Truman em seu cenário, ou do que os prisioneiros da caverna de Platão, permaneceram presos à frente da televisão, simplesmente trocando o canal a procura de uma nova programação.

Referências
Filme: The Truman Show - Peter Weir
PLATÃO. A República. Tradução Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2000. p.319-322
DESCARTES, R. Discurso do Método: para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade das ciências. São Paulo: Paulus, 2002

Autor Sidnei de Oliveira 
Acadêmico de Psicologia da Universidade Paranaense - UNIPAR Campus Cascavel/PR

Estagiário da EQUIPE AMPLIAR

Comentários

  1. Quando olho ao lado e percebo que muitos criam suas próprias cavernas ou ilhas... E quando um resolvem sair, são taxados ou rotulados. Olham somente sua realidade distorcidas, suas verdades, assim vão deixando de ser humanos livre para seres alienados pelo que a mídia, comunidade, família, aí sucumbem em direção às doenças como um refúgio. A psicologia ao meu ver é como um brecha, nessas cavernas, ilhas, refúgios que possibilita olhar para luzes da verdade que se apresenta.

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