O AMOR TERAPÊUTICO – UMA ANÁLISE INTERPRETATIVA DA OBRA “O AMOR NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA – UMA VISÃO GESTÁLTICA” DE BEATRIZ HELENA PARANHOS CARDELLA
Na análise interpretativa explano sobre a obra “O
Amor na Relação Terapêutica”, no qual abordo o amor na relação
que se estabelece entre o cliente e seu terapeuta. Uma questão tão
antiga quanto à própria terapia é vista, porém, pela óptica da
Gestalt. A autora enfatiza o amor como instrumento e alicerce do
processo terapêutico. Com muito cuidado e sabedoria, ela introduz o
tema, esclarece mal-entendidos e confusões, oferecendo um material
inestimável para leigos e terapeutas.
Faz
parte da prática do terapeuta restaurar no homem as feridas do
desamor, resgatando nele a possibilidade amorosa. Beatriz Cardella
fala aqui de um amor especial, a relação entre cliente e terapeuta.
Nesse
tipo de relação o amor pode acontecer, e se manifesta com
características diferenciadas. Diferente do amor por si mesmo, amor
fraterno, amor materno, amor erótico e amor romântico ou paixão.
O
ato amoroso do terapeuta propicia o desenvolvimento do potencial de
amor do cliente; certamente deve ser a base para o trabalho
psicoterapêutico, que engloba conhecimentos teóricos, filosóficos
e técnicos, e sem os quais a relação terapêutica seria
descaracterizada.
O
amor num estado e modo de ser, ocorre no contato com os clientes. É
certo que os terapeutas não se sentem amorosos em todas as sessões,
e nem em todos os momentos, pois o ser humano não sempre que esta
plenamente disponível, equilibrado, ou mesmo, integrado
inteiramente. No entanto, o fenômeno do amor deve acontecer para que
a relação tenha realmente natureza terapêutica. Não
me refiro com isso que, para um psicoterapeuta, basta estar em estado
de amor para realizar um excelente trabalho. Os requisitos
profissionais são essenciais para auxiliar o outro que nos procura;
mas se o terapeuta é incapaz de manifestar-se amorosamente em
relação a seus clientes, questiono sua capacidade de "vê-los".
A
relação terapêutica possui características conhecidas que são
distintas das demais relações humanas, extensamente estudadas nas
teorias da prática psicoterápica. O amor terapêutico é mais um
dos fatores que distinguem essa forma de encontro de tantas outras. O
amor terapêutico pode se destacar não só na relação
psicoterapeuta-cliente; um médico, um fisioterapeuta, um
fonoaudiólogo, um terapeuta ocupacional também podem manifestar-se
amorosos na relação com seus pacientes; certamente, suas atitudes
amorosas facilitarão o processo de cura, de recuperação ou de
reabilitação dos mesmos, uma vez que a saúde é muito mais do que
a ausência de doenças, mas um estado de integração do indivíduo.
É através do estado de ser amoroso que o terapeuta cria condições
para que o cliente possa ouvir, ver compreender, aceitar e amar a si
mesmo. O amor só pode ser aceito pelo cliente se ele próprio
estiver em estado amoroso; o amor do terapeuta oferta para que o
potencial de amor do cliente possa ser ativado por ele mesmo.
O
amor terapêutico apresenta-se através de um estado e um modo de ser
caracterizados pela integração e diferenciação da personalidade
que permite ao terapeuta aceitar e encontrar o cliente como um ser
único, diferenciado, e semelhante na sua condição de humano. O
amor terapêutico envolve a ausência de necessidades do terapeuta em
relação ao cliente, ou seja, este não pode “funcionar” como o
objeto de satisfação das necessidades do terapeuta como aceitação,
valorização, confirmação e amor. O terapeuta em estado de amor é
capaz de se autossustentar na relação com o cliente.
Coloca-se
a disposição dele e se coloca a funcionar como instrumento para seu
crescimento pessoal. A atitude terapêutica explana a entrega,
despojamento e a capacidade do terapeuta fazer a redução
fenomenológica, colocando o próprio mundo, sua história, seus
sentimentos e conhecimentos, suas emoções e experiências e até os
próprios sofrimentos entre parênteses, a menos que seja necessário
ao serviço do cliente. O
amor terapêutico é incondicional, no entanto existem regras,
limites, normas e condições para que a relação terapêutica
aconteça. Essa relação pressupõe um contrato profissional entre
cliente e terapeuta, com papéis definidos e fixos, mas isso não
impede o estabelecimento de um vínculo afetivo e amoroso, que
permita o acontecimento do encontro entre dois.
O
amor terapêutico compreende a aceitação e a confirmação do
cliente tal como ele é, o que significa legitimar as necessidades,
os desejos, os sentimentos, as crenças, os valores, os conflitos, as
dificuldades, enfim, a existência do outro. A confirmação inclui a
possibilidade de discordar do cliente, negar satisfações e até
"frustrar" manipulações e jogos de controle; confirmar e
amar incondicionalmente implica também o estabelecimento de limites
entre si mesmo e o cliente, e na capacidade do terapeuta de
colocar-se como um ser humano merecedor de respeito, construído sua
autonomia.
No
início do processo terapêutico, a possibilidade de se estabelecer
uma relação acontece pela capacidade do terapeuta de amar
fraternalmente, pois o cliente é a priore um ser desconhecido e o
vínculo afetivo ainda não foi efetivado. O
amor é "terapêutico" por natureza. Um indivíduo em
estado de amor, seja fraterno, materno, erótico, romântico ou
terapêutico possibilita o crescimento das pessoas com as quais se
relaciona, pois as coloca diante delas mesmas, ainda que se utilizem
de práticas que dificultem o próprio desenvolvimento. As
atitudes amorosas do terapeuta propriciam o contato do cliente com o
"desamor" próprio, uma vez que através da relação
terapêutica ele poderá visualizar que, apesar de ser aceito,
valorizado, respeitado e amado, ainda assim ele rejeita, desvaloriza,
desrespeita e deixa de amar a si mesmo.
O cliente que não ama a si mesmo acomete-se em relações não amorosas, pois nesse caso relacionar-se com o outro amoroso significa perceber-se e depare-se com as próprias dificuldades. O indivíduo amoroso não estabelece jogos manipulativos, nem cristaliza-se no desempenho de papéis rígidos, ou absorve projeções advindas do parceiro. Relacionar-se com uma pessoa verdadeiramente amorosa é como estar diante de um espelho e olhar refletida a própria imagem, seja ela bela ou defeituosa. E este é um dos aspectos essenciais da relação terapêutica: o terapeuta amoroso confirma as necessidades do cliente e o aceita tal como é, mas sem controlar ou manipular, sem seduzir sem deixar-se seduzir, sem incorporar projeções ou buscar onipotente mente satisfazer o cliente e "salvá-lo" das próprias dificuldades. Ele se disponibiliza como instrumento para que o cliente experimente com segurança todo sofrimento autoimposto, e a partir da constatação profunda de seus modos de existir, possa confirmar-se e compreender-se para ser capaz de amar a si próprio.O terapeuta amoroso não só funciona como "espelho" dos fatores conflitantes ou destrutivos do cliente. No entanto, reflete suas capacidades e potencialidades, como também com a própria beleza, seus aspectos construtivos, belos e únicos, sua singularidade. O cliente que não se visualiza, não deixa apenas de deparar-se com os medos e as dificuldades, como também com a própria beleza, seus aspectos positivos e criativos, suas capacidades e habilidades, enfim, com a própria individualidade.
A
atitude amorosa do terapeuta garante que o cliente passe a questionar
o "mito do amor condicional", ou seja, as crenças, os
valores e as atitudes, nos relacionamentos afetivos, baseadas na
crença maior de que o amor só pode ser vivido sob certas condições. Possibilita
também que o cliente vivencie uma nova maneira de relacionar-se, na
qual a aceitação, o respeito, a consideração, os limites, a
responsabilidade, o compartilhar e o amor estejam ativos. Assim,
ao produzir um clima de segurança, o terapeuta possibilita ao
cliente experimentar a vulnerabilidade, as necessidades, os
sentimentos próprios e também, o amor. O cliente pode ser aceito,
respeitado, valorizado e amado e, progressivamente, recuperar a
aceitação de si mesmo, desenvolvendo sua capacidade para amar.
Na
relação terapêutica, o cliente pode também se permitir expressar
com espontaneidade sentimentos como carinho, gratidão, respeito e
amor pelo terapeuta. Não me refiro aqui aos mecanismos
transferenciais, ou ao "amor" transferencial, certamente
presente em qualquer relação terapêutica. Independentemente dos
processos de transferência, existem momentos ao longo do processo
terapêutico em que o cliente pode genuinamente experimentar o amor
por si mesmo, e compartilhá-lo com o terapeuta. É claro que isso
não ocorre com todos.
Os
momentos nos quais um cliente começa a vivenciar o amor por si mesmo
nem sempre são prazerosos e agradáveis. O amor por si mesmo pode
acontecer até em situações em que o cliente se permite sentir e
verbalizar suas dores mais profundas, com aceitação e
espontaneidade. O terapeuta deve saber analisar as ocorrências
transferenciais das manifestações amorosas do cliente,
compartilhando-as e confirmando-as. Há momentos raros e belos de
encontro entre terapeuta e cliente. Na relação terapêutica o
encontro pode ocorrer quando o cliente e terapeuta se manifestam
amorosos reciprocamente, é então que o amor ocorre entre os dois.
Não há um amor "doado" ou "recebido", mas sim,
um amor compartilhado.
Referências
Cardella,
B. H. P. (1994). O
amor na relação terapêutica: uma visão gestáltica (2ª
ed.). São Paulo: Summus Editorial.
Autor Sidnei de Oliveira - Acadêmico de Psicologia da Universidade Paranaense - UNIPAR Campus Cascavel/PR
Estagiário da EQUIPE AMPLIAR
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