A VIUVEZ E OS DETERMINANTES DO LUTO

Seus
sentidos falhavam e os sentimentos teimavam em negar a dor, que por
hora, se fazia confusa, perdida entre um instante interposto entre a
terra e o céu, desmascarando o vazio existencial, levando a renuncia
de uma parte do EU, parece ser igual ao mesmo instante que outrora
era preenchido pela paixão desnudada pela carícia
que recebeu e deu.
Antes,
no desvelo, sacrificara seus desejos, abriu mão dos seus gostos,
foram tantas as frustrações no esmero de ser feliz.
Agora, emoções ambivalentes duelam entre a realidade
do que fora e a fantasia do que poderia ter sido.
Justo
agora a morte intrépida e arrogante levava a sua história de amor
embora; Maldita a hora em que isso aconteceu!
(Como
se existisse uma hora adequada para MORRER)
Queria
dizer tantas coisas! Agora que pensava em mudar, em se fazer valer.
Que
entendeu que amar é assim mesmo... é quase um sofrer!?
A
morte veio como uma amante louca e arrebatou seu amado perpetuando um
vinculo entre um Ser mortal e um sem Ser imortal.
Gostaria
de acordar e sair daquele pesadelo que anulara suas expectativas e
fantasias de uma relação ideal.
Agora,
tudo parece absurdo!
A
Insignificância nunca tivera tanto sentido!
E
na dor: As palavras ditas tantas vezes, repetidas e invertidas na
esperança de ser compreendida, agora aparece disfarçada no
silêncio, na revolta “Não, não pode ser! E agora o que eu vou
fazer sem meu Amor?
O
que vai ser de mim? Você me deixou assim! Querido malvado você não
teve pena de mim!”
Sandra
Mara Abrão David
13/12/2015
O
sentimento de Luto de Viúvas e viúvos pode ser compreendido, quase
que totalmente, no contexto histórico da união: Como se conheceram?
Qual foi a Motivação relacional? Quanto tempo demoraram para se
casar? Como foi a aceitação das famílias de origem? Como
convergiram as culturas individuais criando uma nova cultura do
casal? Como ou o que planejaram fazer, ter e ser? Etc... Isso porque,
embora a viuvez entre em uma categoria de luto que nos leva a pensar
em similaridades os sentimentos próprios de cada viúva(o)
caracterizam o luto dando-lhe singularidade, de forma que posso
afirmar que o Luto tem personalidade. Isto é, traz nele um conjunto
de características marcantes de ambos os cônjuges, a força ativa
que os ajudou a determinar o relacionamento e consequentemente um
padrão de individualidades pessoais e sociais referentes ao pensar,
sentir e agir, que os diferenciam dos outros.
Utilizamo-nos
aqui dessas peculiaridades do casal para determinar a Personalidade
do Luto, que nos ajudara a entender os Determinantes do Luto
da(o) viúva(o):
Como
se conheceram? Qual foi a motivação relacional? Quanto tempo
demoraram para se casar? Como foi a aceitação das famílias de
origem? Como convergiram as culturas individuais criando uma nova
cultura do casal? Como ou o que planejaram fazer, ter e ser?
Incompatibilidade de Gênios
-
COMO SE CONHECERAM :
A
forma como se conheceram pode submeter o casal às mesmas situações
ao longo do relacionamento ou levar ambos a cobranças intermináveis
de resgate àquela situação. Por exemplo: O casal que se conheceu
“na noite” pode acreditar que ambos tenham os mesmos gostos por
diversões noturnas, o casal que se conheceu por influência de
amigos(as) pode acreditar que tenham os mesmos gostos para a amizade,
o casal que se conheceu no trabalho pode acreditar que haverá
aceitação incondicional pelo gosto de trabalhar fora e/ou de ambos
terem suas profissões e assim por diante. Quando casam descobrem que
a realidade é outra e que seus gostos foram mascarados durante todo
o namoro com medo de acabar a relação e pior ainda, acreditando que
depois de casados iram modificar o(a) parceiro(a). A modificação
nunca acontece o que leva o casal a subsequentes conflitos por se
sentirem enganados, iludidos e frustrados. Esses sentimentos podem
ser agravantes do luto, porque a(o) viúva(o) pode ser dar conta de
que essas incompatibilidades é justamente o que os complementavam.
-
A MOTIVAÇÃO RELACIONAL
Refiro-me
aqui ao estímulo que levou um ou outro ou os dois a se envolverem na
relação com intuito de casamento. Nem sempre é por amor. Pode
haver muitas intenções subjacentes ao desejo de casar que prefiro
chamar de ilusões. A ilusão provoca uma distorção da percepção,
é a troca da aparência real por uma ideia falsa. Por exemplo: Fuga
da família de origem, concorrência entre irmãos e amigos(as),
status, situação financeira, idade avançada, medo da solidão etc.
fatos estes substituídos pelo desejo de casar. A ilusão tem a
capacidade de ofuscar a razão para que não se possa discernir a
realidade dos fatos. Porém como toda e qualquer Ilusão ao se
deparar com a realidade da vida a dois rapidamente se dissolve dando
lugar a conflitos intermináveis. Ser iludido é ser enganado. Viver
uma ilusão significa viver um engano, viver uma percepção falsa da
realidade. Uma relação mantida sob o prisma da ilusão, diante da
perda do (a) parceiro(a) pode causar suspensão da realidade da
perda, levando-os a um estado de negação do luto, passando á
sociedade e aos seus a falsa ideia de insensibilidade. É a famosa
“Viúva(o) alegre” que muitos já tiveram a oportunidade de
conhecer. Se manter em estado de ilusão, ou negação pode prolongar
o luto e psicossomatizá-lo ou ainda levá-los a doenças emocionais
longos anos mais tarde.
-
O TEMPO: NAMORO – CASAMENTO - PERDA
Nos
tempos atuais as pessoas têm se casado cada vez mais rápido, isto
é, com um tempo bem menor de namoro do que se faz necessário. O
namoro é a etapa mais importante do relacionamento, portanto deveria
ser levado mais a sério. É o período em que se dá o conhecimento
mutuo, em que se aparam as arestas, em que se constroem os planos e
fortalecem os vínculos de forma a terem certeza de que conseguiram
viver juntos “até que a morte os separe”. No entanto, esse tempo
tem sido subestimado por várias razões que não nos cabe dissertar
agora. A reflexão a ser feita é a de que “ninguém pula fases”.
O que deixar de viver neste período fatalmente terá que viver
depois. Sem querer generalizar, mas funciona mais ou menos assim:
“Namoro breve, casamento breve” ou como dizia minha querida avó
“Amor de louco dura pouco”. Quando ambos persistem entre tapas e
beijos correm o risco de um relacionamento tóxico, desgastante e
estressante, levando todos a sua volta ao mesmo sofrimento (filhos,
familiares, amigos) o que faz com que torçam pela separação do
casal. Um luto neste contexto pode ser gravemente complicado por
sentimentos ambivalentes de culpa e alívio.
-
O DESEJO DOS FAMILIARES
Assunto
que já abordei acima, mas que merece uma revalidação por ser um
dos tópicos mais importantes. O casamento simboliza uma mudança no
status de todos os membros da família e das gerações, e requer que
o casal negocie novos relacionamentos, como par, com os demais
parentescos dele e dela e também com os amigos(as) dele e dela. A
aceitação dos seus, é vista pelo casal com muito carinho e
gratidão de forma que fortalece o vínculo amoroso. O contrário
torna-se um empecilho para a realização conjugal. È fácil
entender quando se compreende que, embora os vínculos afetivos entre
pais e filhos sejam diferentes do vínculo afetivo conjugal, não se
pode viver sem um ou outro. Casamento não é uma troca de status
afetivo/amoroso, mas uma somatória que garanta a continuidade na
condição de ser amado e de amar. O ser humano, não importa o
gênero, precisa dos amores genuínos, dos afetos genuínos de
procedência. Isso é, precisa do amor da família apoiando o amor
que escolheu para dar continuidade à sua personalidade, à sua
identidade e à sua própria história seja ela qual for. Quando a
família é resistente a aceitação de um dos agregados, haverá
sempre o “fantasma do não-aceito” entre o casal contaminando a
relação. Esse casal estará fadado a conviver com uma “sombra”
que, influenciará negativamente na vida conjugal em todas as suas
dimensões (psicológica, sexual, profissional, financeira,
espiritual, etc.). Quando os familiares gostam dos seus agregados
(Nora e genro) o conflito do casal perde força por falta de apoio.
Quando os familiares respeitam o espaço do casal (ambiente, jeito de
ser, família do agregado) o casal fica endividado emocionalmente o
que os leva a querer retribuir com presença, cuidados e afetos. Mas
quando isso não acontece, o luto fica sem ombro, a(o)
viúva(o) não sabe onde achar suporte genuíno, não acreditam que
encontrarão “respostas” adequadas à sua dor, por isso reprimem
e seguem em frente muitas vezes se distanciando dos familiares. A
repressão do luto é um veneno para a alma que se expressará
através de eternas cobranças, magoas e rancores.
-
FATORES SOCIOCULTURAIS
Na
perspectiva social, o casamento é a maior cerimonia organizada pelos
próprios familiares e é, segundo Barker, D.L. (1978), a cerimonia
familiar que envolve maior planejamento: A organização do
casamento, quem fará quais arranjos, quem serão os convidados, quem
paga o que, como será o buffet, onde será realizado, onde farão a
lua de mel, onde morarão, etc. Todas essas necessidades requer um
investimento emocional muito grande por parte de todos os envolvidos
refletindo desde ai o processo familiar bem como sua estrutura
psicológica. Se o casal tem a total aprovação dos respectivos
familiares, as chances de sofrerem estresse emocional é bastante
amenizada, sofrendo apenas os desgastes físicos naturais do
investimento da energia nos preparativos, mas se houver desaprovações
por uma ou ambas as famílias o casal já começa com uma grande
chances de não lograr sucesso em sua vida conjugal. Outros
determinantes como a classe social, educação, etnicidade e
ideologias também influenciam fortemente na relação conjugal. São
fatores significativos de conflitos que tem levado muitos casais à
separação, portanto devem estar resolvidos antes de concretizarem o
casamento. Quando não, a união psicológica não se concretiza,
haverá sempre diferenças importantes entre ambos que impedirão de
o casal se estabelecer em uma mesma harmonia. São diferenças que
impedem os cônjuges a viverem as mesmas situações socioculturais
levando-os, com o tempo a se distanciarem por incompatibilidades.
Quando a morte do cônjuge ocorre no ápice desses conflitos, a
enlutada sofre de remorso e culpa, dois sentimentos que são difíceis
de superar.
-
INCOMPATIBILIDADE DE GÊNIOS
Dotô,
jogava o Flamengo, eu queria escutar. Chegou, mudou de estação,
Começou
a cantar. Tem mais, um cisco no olho, ela em vez de assoprar,
Sem
dó, falou que por ela eu podia cegar.
Se
eu dou, um pulo, um pulinho,
Um
instantinho no bar, bastou, durante dez noites me faz jejuar
Levou,
as minhas cuecas prum bruxo rezar.
Coou,
o meu café na calça prá me segurar
Se
eu tô devendo dinheiro e veio um me cobrar
Dotô,
a peste abre a porta e ainda manda sentar
Depois,
se eu mudo de emprego que é prá melhorar
Vê
só, convida a mãe dela prá ir morar lá
Dotô,
se eu peço feijão ela deixa salgar
Calor,
ela veste casaco prá me atazanar
E
ontem, sonhando comigo mandou eu jogar
no
burro, que deu na cabeça, centena e milhar.
Ai,
quero me separar.
Musica
de João Bosco
Essa
música de João Bosco (Incompatibilidade de Gênios) traduz de forma
irônica as divergências naturais entre duas pessoas que se espera
ter compatibilidades. Ora, se o que nos atrai é justamente a
diferença que nos completa como pode ocorrer quase sempre e com a
maioria das pessoas um erro tão banal? Pensamos que a outra pessoa
deve pensar como nós pensamos, desejar o que desejamos, sentir o que
sentimos. Quando isso não acontece, entendemos como
incompatibilidade de gênios e partimos para o ataque. Os cônjuges
lamentam as diferenças porque busca a si mesmos no outro, não se
encontrando no outro o rejeita ou passa a vida tentando transformá-lo
no seu próprio jeito de ser. É valido que, embora as personalidades
não sejam idênticas, elas precisam ter características e alguns
interesses em comum, mas ideias, sonhos e objetivos só precisam
estar alinhados, não aglutinados, mas paralelos para que possam
vivê-los cada um a seu modo. Como dizia Khalil Gibran:
“Cantem
e dancem juntos, e sejam felizes. Mas sejam como as cordas de um
alaúde, que, embora vibrem com a mesma música, são independentes”.
Um
luto embalado pelas lembranças das incompatibilidades de gênios é
vivido com sentimento de arrependimento, auto-menosprezo e
auto-comiseração.
-
COMPATIBILIDADE SEXUAL
A
Compatibilidade sexual é a capacidade de combinar ou coincidir a
energia sexual de ambos, de forma a gerar uma atração mútua que
proporcione um encontro íntimo de natureza erótica, ou seja, o
comportamento, os jogos ou as situações que excitam os dois. Muitas
vezes, chamamos essa compatibilidade de química… olhar, cheirar,
sentir, sensações que ativam o desejo sexual quase que
automaticamente. A sua falta, insuficiência ou desproporção pode
criar sérios conflitos no relacionamento conjugal. A
incompatibilidade sexual se reflete nas dimensões afetivas e
práticas do casal, a primeira a ser comprometida é a de maior
importância, a comunicação. Se o relacionamento é baseado
em uma comunicação efetiva e sem tabus a harmonia se instala
colaborando para que o sexo seja completamente satisfatório. A
incompatibilidade sexual é comum em casais que não se aproximaram
pela atração sexual, mas por outros fatores como: segurança
afetiva, status social, poder econômico, desejo de formar uma
família, pressões externas. No luto, a(o) viúva(o) tenderá a se
sentir responsável por essa insuficiência tornando-se insegura em
sua feminilidade podendo levá-la a ter dificuldades para estabelecer
novos relacionamentos no futuro.
-
PREPARO PSICOLÓGICO DE AMBOS PARA MUDANÇA DE PAPEIS E FUNÇÕES
“O
casamento representa um fenômeno tão diferente para homens e para
mulheres, que na verdade deveríamos falar do casamento “dele” e
do casamento “dela”. As mulheres tendem a antecipar o casamento
com entusiasmo enquanto os homens aproximam-se do casamento com uma
típica ambivalência e medo de ser “apanhado numa armadilha”,
mas de fato eles se saem melhor no estado casado, em termos
psicológicos e físicos, do que as mulheres...” Jessie Bernard
Casar
significa também mudar de papel e de função. Tudo começa quando o
casal assina o contrato, momento em que se responsabiliza por novos
papéis e funções em suas vidas. De solteiros para casados, agora
terão que estabelecer novas regras, novos desempenhos e novas
responsabilidades. Por convenção há alguns papéis e funções que
já vem criteriosamente estabelecido na intenção conjugal.
Espera-se “dela” que ela cuidará do marido, da casa e dos filhos
criando para ele um refúgio em relação ao mundo exterior.
Espera-se “dele” que ele seja provedor, cuidador e protetor
criando para ela a aura da segurança. Porem há pessoas que insistem
em manter sua antiga vida de solteira(o) fazendo planos sem incluir
ou considerar seu/sua cônjuge. Atualmente as funções tendem a ser
compartilhadas, e o maior desafio é fazer isso sem perder o sentido
simbólico do seu papel e de sua função. A Inversão de papeis e/ou
funções revela-se nas questões praticas do dia-a-dia e correm o
risco de perdurarem por toda a vida do casal. Essas inversões são
responsáveis pela maioria das instabilidades emocionais conjugais
gerando conflitos longos e desgastantes. Quando ocorre a perda do (a)
parceiro(a) sem antes definirem-se em seus papeis e funções, ocorre
uma espécie de ilusão de incompletude gerando crenças que se
potencializará no processo do luto tornando-o longo e desgastante.
Há vários casos em que a(o) viúva(o) se lança, ainda em processo
de luto, a novos relacionamentos na tentativa de se restabelecer o
papel e a função perdida, o que consequentemente poderá levá-los
a diversas trocas de parceiros(as).
Essas
alusões nos leva a refletir sobre as possibilidades de um processo
de luto de viúvos e viúvas, ajudando a compreender e reestabelecer
a sua resolução.
“O
amor não conhece sua própria intensidade até a hora da separação.”
Khalil Gibran
Segue participação no ESPECIAL MÊS DA MULHER, para o Instituto AMPLIAR.
Segue participação no ESPECIAL MÊS DA MULHER, para o Instituto AMPLIAR.
Autora:
Sandra Mara Abrão David
Psicóloga/Tanatóloga/Perita
perfilista
CRP
08/07291-0
Contato:
(41) 99195-9555
Parceira
do Instituto AMPLIAR
Artigo de responsabilidade da autora.
Artigo de responsabilidade da autora.
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