ESTAMIRA
“A minha missão, além de
ser a Estamira, é mostrar a verdade, capturar a mentira e tacar na cara”
Estamira,
é um filme documentário de Marcos Prado
de 2006, o qual nos inicia a uma experiência de limite. O espectador fica
arrebatado em uma espécie de suspensão, com o risco constante de submergir na
radicalidade das imagens. Todo o limite como sabe, nos coloca na tensão entre a
forma e a sua decomposição. A obra nos surpreende com inúmeros excessos: da
miséria, da dor, da negligência, da violência, do abuso sexual, das toneladas
de lixo do aterro sanitário do Jardim Gramacho na Baixada Fluminense, no Rio de
Janeiro. Este excesso condiciona
Estamira, uma mulher de 63 anos, diagnosticada como esquizofrênica, que
por anos sobreviveu recolhendo seu sustento no lixão. Ela fala, grita, pensa,
demonstra, faz, olha, argumenta. Sua voz é a condição de toda a narrativa do
documentário, e mostra o quanto o poder verbalizar e expressar um sofrimento
faz a vida resistir, mesmo no meio dos escombros e dos detritos. Podemos ver no filme a sensibilidade de uma
mulher que faz dos restos do mundo uma espécie de transfiguração de sentidos.
A Esquizofrenia é conhecida pela psicopatologia como um
tipo de sofrimento psíquico grave, caracterizado prioritariamente pela
alteração no contato com a realidade (psicose). Segundo o DSM-V, é um
transtorno psíquico severo descrito por dois ou mais dentre o seguinte conjunto
de sintomas por pelo menos um mês: alucinações visuais, sinestésicas ou
auditivas, delírios, fala desorganizada (incompreensível), catatonia ou/e sintomas
depressivos Juntamente com a paranoia (transtorno delirante persistente, na
CID-10, o transtorno esquizofreniforme e o transtorno esquizoafetivo, as
esquizofrenias constituem-se no grupo das psicoses. Atualmente encarada não
como doença, no sentido clássico do termo, mas como um transtorno mental,
podendo acometer pessoas de qualquer idade, gênero, raça, classe social e país.
Os sintomas da Esquizofrenia
são divididos em sintomas positivos e negativos. Os
sintomas positivos são vivências anormais e os negativos são perdas do
comportamento normal de uma pessoa. Embora os sintomas positivos sejam mais
chamativos e dramáticos e que no início causam maior preocupação, são os
negativos que causam problemas mais sérios e que duram mais.
Sintomas positivos mais comuns
são:
- Sensação
de estar sendo controlado por forças exteriores (os pensamentos e ações
seriam determinados por motivações alheias ao indivíduo)
- Oscilação
da percepção. A pessoa ouve vozes, vê coisas, sente cheiros ou tem outras
sensações sem que nada exista (alucinações)
- Convicções
estranhas (de importância exagerada, de grandeza, de estar sendo
perseguido - são os delírios)
Os sintomas positivos ocorrem
nos episódios agudos e podem ser muito assustadores.
Sintomas negativos - podem incluir a ausência de concentração, falta de energia e de
motivação, desinteresse pelas pessoas e pelo ambiente. As pessoas com
Esquizofrenia geralmente ficam incapacitadas para o trabalho, para as coisas
comuns do cotidiano, podem chegar até ao abandono do cuidado com a própria
higiene. Muitos chegam a uma situação muito precária como moradores de rua.
Sintomas negativos explanam uma
dimensão constante, duradoura e debilitante da sintomatologia da esquizofrenia,
evidentemente distinta em relação a sintomas positivos e de desorganização,
embora menos nitidamente distinta em relação a alguns sintomas depressivos e a
sintomas cognitivos. Sintomas negativos primários e persistentes (sintomas
deficitários) descrevem um subtipo de esquizofrenia, a Síndrome Deficitária,
que tem sido relacionada a pior prognóstico, maior comprometimento
neuropsicológico e padrão específico de alterações cerebrais estruturais.
Identificando os sintomas
positivos negativos da esquizofrenia com os sintomas exposto no documentário, é
possível verificar apresentação reduzida dos sintomas negativos.
No documentário a “Estamira”
não mostra nenhum tipo de retração social (ela lida positivamente com a
família, os amigos, os colegas de trabalho no lixão) e, não havia apresentou
sinais de empobrecimento de linguagem e pensamento, ao contrário, Estamira
exibiu-se inteligente, disposta, comunicativa e extremamente produtiva. Não
apresentava também diminuição da fluência verbal, da volição e nem lentificação
psicomotora.
Em relação a ausência do
movimento afetivo apenas pelo documentário é precipitado verbaliza se houve ou
não um distanciamento afetivo. Ela poderia ter este comportamento com as
pessoas a vida toda e em momento algum alguém fala que depois da esquizofrenia
ela tenha ficado menos afetuosa.
" Eu nunca
tive sorte. A única sorte que eu tive foi de conhecer o Sr. Jardim Gramacho, o lixão, O Sr.
Cisco-Monturo.... Eu amo, eu adoro!... Como eu quero o bem dos meus filhos...
Como eu quero o bem dos amigos... Eu nunca tive. Aquela coisa que eu sou: sorte
boa."
Destaco um sintoma perceptível
no documentário, que é a negligência quanto a si mesmo. Neste sintoma
percebe-se falta de higiene de interesse pela aparência. Em uma cena, Estamira
utiliza de restos de um restaurante para preparar macarrão na sua casa. Em
todas outras ela apresenta-se suja e desarrumada. Isso, contudo pode não ser
visto como um sintoma negativo se observado o contexto sociocultural onde
Estamira está inserida. Todos que trabalham no lixão colhem restos de comida
que acham proveitosos, e todos estão sujos e desarrumados e são dessa maneira
não por serem esquizofrênicos, mas por estarem nesta condição subumana. Para
ter conhecimento minucioso da presença desse sintoma negativo seria preciso
colher mais informações sobre o antes e o depois do estabelecimento da doença.
Quanto aos sintomas positivos
destacam-se:
- Ideias
delirantes: A intensa propagação de delírios é perceptível em quase todas
as cenas. Muitos de seus delírios, contudo, são muito bem organizados e
com certa coerência. Eis alguns exemplos “tem revelações e avisa para os
inocentes. Inocentes não, esperto ao contrário.”, Ninguém pode viver sem
mim. “Ninguém pode viver sem Estamira” “todos precisam de Estamira”, “Só
eu consigo distinguir as coisas, por sou a Estamira!”(delírio de
grandeza), “Meus pais (mortos) estão perto de mim, minha mãe meus
amigos... Ó, tô vendo” (delírio associado à alucinação), controle remoto
universal e controle remoto dentro do corpo, etc.. Outros delírios são
ditos pela família, tais como estar sendo seguida por alguém no ônibus ou
perseguida pelo FBI (delírios persecutórios).
- Alucinações
e pseudoalucinações: Na cena em que relata que a doutora questionou se
ouvia coisas, ela responde “eu escuto os astros, as coisas”.
- Produções
linguísticas novas como neologismos e parafrasias. Alguns exemplos de
falas: “Sabe o que significa cometa? Comandante natural”, “esperto ao
contrário”, “troca dilho”, “homem par” “ideias Charlatais”
- Repetição
de idéias: fala do controle remoto natural e artificial em várias cenas;
quando xinga o filho que lê a bíblia na sua casa repete o mesmo xingamento
várias vezes, ecolalia: “vai tomar no cu, vai pro céu, vai pro inferno,
vai pra porra”;“vai tomar no cu, vai pro céu, vai pro inferno, vai pra
porra”; “vai tomar no cu, vai pro céu, vai pro inferno, vai pra porra”;
- Pronunciamento
mítico, reflexo da religiosidade exacerbada antes do desencadeamento da
doença.
Há controvérsias no relato da
família quanto ao tratamento que deve ser dado a mãe ou não, justamente por em
muitos destes tratamentos manicomiais a pessoa não receber o respeito que
merece e a falta de humanização.
A filha diz:
“Ela (Estamira) não é louca, mas também não é completamente certa (...), mas
ela morreria muito mais feliz no meio da rua do que numa clínica.”. Acha
“judiação” internar a mãe no modelo tradicional de manicômio, com camisa de
força e remédios dopantes. Já o filho não se opõe a quaisquer métodos que
tenham que usar para “melhorar” a qualidade de vida da mãe.
No Documentário Estamira traz
importantes reflexões sobre a relação de trabalho, da educação e a medicalização. Essas
diversas criticas acabam provocando um grande choque nos fazendo pensar sobre
questões da ordem social e bem subjetiva. A obra acaba fazendo com que o
espectador acredite que a personagem é capaz de ter lucidez em seu discurso,
isso explana que tais percepções não são da Estamira. Ela descortina o resto que
negamos em nós mesmos. É impressionante, pois nos obrigamos a lidar com nossas
angústias e sofrimentos, mediante a incompletude da vida. Ao mesmo tempo, nos
traz à tona a maneira como visualizamos o conceito de normalidade e insanidade,
demonstrando que ignoramos o paradigma na qual a ciência assume diante de tais
indivíduos que são vistos como “desajustados” e inaptos para a convivência
social.
REFERÊNCIAS
PRADO, Marcos. Estamira. Rio de Janeiro:
RioFilme∕Zazen, 2004. Filme.
Home | APA DSM-5. Developed by © 2012 American
Psychiatric Association. Disponível em . Acesso em: 06 de Junho. 2019.
Acesse o link abaixo e assista o documentário na integra.
Autor: Sidnei de Oliveira
Acadêmico da 4 série do curso de Psicologia - Unipar/Campus-Cascavel
Estagiário do Instituto AMPLIAR
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